História da Dança do Ventre

Sobre o Harém, as Odaliscas, as Ghawazee e as Ouled Nail

O Harém

História da Dança do Ventre - Harém

Se você está no ocidente e envolvida com a dança do ventre, são grandes as chances de ter ouvido todos os estereótipos possíveis: que a dança do ventre é uma dança de sedução, que foi usada por concubinas para ganhar favores dos sultões, que é o equivalente oriental do strip-tease, etc, etc... Talvez esses pontos de vista ainda sejam mantidos por seus amigos, pais ou outras pessoas próximas a você.

Pois bem, dependendo da época e da região, preconceitos também aconteceram com a discoteca, o fox trot, o hip-hop, o rap... Quando por exemplo o tio Zé levantava-se para dançar um forró ou um samba numa reunião de família, isso não era mais (ou menos) sedutor do que o tio Amir se levantar para fazer uma pequena raks baladi para suas sobrinhas na recepção de casamento.

Vamos falar sobre a fantasia do harém. Tradicionalmente na sociedade muçulmana homens e mulheres vivem em áreas separadas da casa. A seção onde as mulheres e as crianças vivem é referida como o harém. Nós, no Ocidente, muitas vezes temos uma imagem de um harém como sendo um lugar com jovens seminuas, concubinas, abanando-se enquanto relaxam em travesseiros esperando para agradar o dono da casa. Este conceito foi certamente formado por pinturas, histórias de fantasia e obras do período orientalista e perpetuado na mídia contemporânea. No entanto, há um abismo entre essas fantasias e a realidade.

Como afirmado anteriormente, um harém são os aposentos das mulheres e das crianças de um domicílio. A própria palavra significa “proibida”. Isso é porque os homens, que não são parentes imediatos, não estão autorizados a entrar no harém. É proibido. Na sociedade muçulmana as mulheres são protegidas contra homens desconhecidos e esta é a maneira que isso é realizado.

Enquanto muitas mulheres muçulmanas trabalham fora de casa ou frequentam a escola, muitas também ocupam o papel de donas de casa. Como zeladoras da casa, as mulheres cozinham, limpam, cuidam de seus filhos e podem também receber visitas de amigas e parentes. Este é um contexto onde a dança pode desempenhar um papel na vida da mulher. Um papel muito importante por sinal!

Para as mulheres, ir ao cinema, se juntar em um clube de lazer ou um salão de beleza ou qualquer atividade fora do lar, muitas vezes é inviável. Mas a mulher pode se socializar com outras em suas casas. E a dança é uma diversão que pode ser apreciada por todas no harém. Percebam o quão importantes são o harém e as danças dado o contexto em que elas vivem.

Além da dança em casa, era e é comum dançar durante ocasiões festivas. Nas celebrações, os gêneros ficavam segregados, dança era feita por ambos os sexos espontaneamente e não era vista como uma performance, mas como uma atividade de celebração social. Durante séculos a dança também tem sido usada nestes contextos de separação social entre homens e mulheres.

Hoje as celebrações podem ou não ter separação de gênero. Muitas vezes uma banda e uma dançarina profissional são contratadas para as festividades. Depois que a dançarina profissional se retira, os músicos continuam a tocar e este é o momento para os frequentadores da festa dançar. O espírito da forma social de dança do ventre é uma celebração, entretenimento de socialização e informal.

História da Dança do Ventre - Harém Real
O harém real
História da Dança do Ventre - Harém no Ocidente
O harém ocidental. Obs: notou o "sultão" no centro da foto?
História da Dança do Ventre - Harém
História da Dança do Ventre - Harém

O Harém Imperial

História da Dança do Ventre - Harém Imperial

O harém Imperial, do Império Otomano (1299-1923) era composto das esposas, servos (escravas e eunucos), parentes do sexo feminino e concubinas, ocupando uma porção significativa da casa imperial. Esta instituição desempenhava uma função social importante dentro da corte otomana.

O harém Imperial ocupava uma grande parte dos aposentos do sultão no Palácio de Topkapi, que abrangia mais de 400 quartos.

A mãe de um novo sultão vinha para o harém com pompa e circunstância e assumia o título de Rainha-Mãe (título de Valide Sultan) após a ascensão do filho. Ela era chefe supremo do harém e governava sobre os membros da dinastia. O título de Valide Sultan, que influenciou a vida política do Império Otomano durante vários períodos da história, tinha autoridade para regular as relações entre o sultão e suas esposas e filhos. O título de Valide Sultan foi um símbolo majestoso da Dinastia Otomana e gozava de grande poder.

Para a perpetuação da Dinastia Otomana e para servi-la, lindas e inteligentes meninas eram capturadas em guerras (principalmente contra cristãos europeus nos Bálcãs), recrutadas dentro do Império ou adquiridas de países vizinhos para se tornar concubinas imperiais (Cariyes).

As concubinas que eram introduzidas no harém na tenra idade eram criadas nas disciplinas do palácio. Elas eram promovidas de acordo com suas capacidades e tornavam-se kalfas e ustas.

A concubina, com quem o sultão compartilhava a cama dele tornava-se um membro da dinastia e ia subindo no rank até atingir o status de Ane (a favorita), Ikbal (as afortunadas) ou Kadın (a esposa). A posição mais alta era da Rainha Mãe (título de Valide Sultan), a mãe do sultão, que costumava ser uma concubina do pai dos sultões e subiu para o posto Supremo no harém. Uma concubina não pode sair ou entrar nas instalações do harém sem a permissão explícita da rainha mãe. O poder da rainha mãe sobre concubinas se estendia até às questões da vida ou morte. Os eunucos também reportavam diretamente a ela.

Para trabalhar no harém imperial, um eunuco tinha que ter toda genitália externa removida, não só os testículos. Isso garantia que qualquer filho de esposas e concubinas do sultão seria legítimo. Como guardas do harém, tinham um papel tão importante na vida política otomana, que o chefe eunuco era o terceiro mais graduado membro do governo, depois apenas do sultão e do vizir.

O harém era um centro de poder no Império. Mulheres lutavam para promover seus próprios filhos como o próximo sultão, sendo que envenenamentos ou estrangulamentos não eram incomuns. Muitas vezes eunucos favorecidos faziam o trabalho sujo por uma mulher de determinada tribo. A mãe cujo filho sobrevivia e tornava-se sultão se tornaria um alto funcionário em seu próprio direito.

Mesmo para aquelas mulheres que trabalhavam como serventes no harém podia ser uma vida desejável, especialmente em comparação com quem trabalhava nos campos ou que viviam nas vilas empobrecidas nas bordas do Império. Uma família podia vender sua filha como servente para dar-lhe a oportunidade de viver em conforto e luxo. Particularmente as belas garotas, que podiam mesmo tornar-se concubinas, e se elas eram especialmente talentosas ou tinham sorte, poderiam ser notados pelo sultão.

História da Dança do Ventre - Harém Imperial
História da Dança do Ventre - Harém Imperial
História da Dança do Ventre - Harém Imperial
História da Dança do Ventre - Harém Imperial
História da Dança do Ventre - Harém Imperial

As Odaliscas

Uma odalisca era uma escrava em um harém no Império Otomano. Apesar de não ser uma concubina do harém, mas ela poderia se tornar uma. Ela era uma assistente ou aprendiz para as concubinas e esposas do sultão otomano; posteriormente poderia subir de estatuto, ou seja, tornar-se uma concubina ou, com muita sorte, esposa. A maioria das odaliscas fazia parte do harém imperial, isto é, do agregado familiar do sultão. Uma odalisca era classificada na parte mais inferior da estratificação social do harém, não servindo ao homem do harém, mas em vez disso, suas concubinas e esposas como camareiras pessoais. Eram escravas, dadas como presentes para o sultão, compradas ou dadas por homens ricos turcos. Geralmente, uma odalısca nunca era vista pelo sultão, mas em vez disso, mantinha-se sob a supervisão direta de sua mãe, a Valide Sultan.

Se um odalısca era de extraordinária beleza ou tinha talentos excepcionais em dançar ou cantar, ela iria ser treinada como uma possível concubina. Se selecionada, ela seria treinada como uma concubina e serviria o sultão sexualmente e somente após tal contato sexual ela iria mudar de status, tornando-se, daí em diante, uma concubina. No Império Otomano, as concubinas encontravam o sultão apenas uma vez, a menos que ela fosse especialmente qualificada em dança, canto ou nas artes sexuais, ganhando assim a atenção dele. Se um contato de uma concubina com o sultão resultasse no nascimento de um filho, ela se tornaria uma de suas esposas.

Com o tempo, o conceito evoluiu e passou a designar as mulheres destinadas aos prazeres do sultão. Como eram muito bonitas e dominavam a arte da dança e do canto, passaram a ter um alto valor econômico. Os sultões as chamavam de "jóias humanas”.

No uso popular, a palavra "odalisca" pode referir-se a concubina ou amante de um sujeito rico, o que é incorreto uma vez que essas escravas eram virgens.; e também hoje, é muito comum para as dançarinas de dança do ventre auto-designarem-se como "odaliscas.

Como fica claro no texto, o termo odalisca tem predominantemente um caráter negativo, pejorativo. Aliás, se uma pessoa leiga te chamar de odalisca, dê um descontinho, pois ela não sabe do que fala. Se for alguma novata na dança do ventre, dê um toque e explique que isso não é legal. Se for alguém experiente no universo da dança , ela pode estar "discretamente" tentando te ofender. Se for um árabe, aí é pior ainda...

História da Dança do Ventre - Odaliscas
História da Dança do Ventre - Odaliscas
História da Dança do Ventre - Odaliscas
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As Ghawazee

As ghawazee, como eram chamadas as bailarinas de dança de ventre no Egito, se apresentavam nas ruas. Elas também recebiam o nome de “As Dançarinas do Povo”. São originárias do sul da Índia. Nesse país, há diversas danças populares, que podem ser religiosas ou sazonais, porém as ghawazee seguiam seu próprio calendário, pois faziam uso da dança como forma de sustento de sua tribo. Ghawazee é o plural de Ghaziya, muito famosas dançarinas femininas, principalmente no Alto Egito, na região de Luxor, atualmente. Ghawazee também significa “invasora do coração”, o que ganha ainda mais significado quando consideramos que os ciganos têm vivido como um povo à parte, fora das cidades e da sociedade, atuando como invasores na maioria das vezes.

Os Ghawazee viviam nas grandes aldeias do Egito, sobretudo no Alto Egito. Nas cidades do delta, moravam em assentamentos de tendas e barracas. Eles prezavam muito pelos bebês de sexo feminino e consideravam um filho homem como uma desgraça econômica. Isso tudo porque as mulheres Ghawazee, sem exceção, eram criadas para se tornarem prostitutas e dançarinas. Antes de uma menina se casar, seu pai venderia seus "serviços" a quem pagasse mais. Ela então, normalmente, se casaria com um homem de seu próprio grupo.

As mulheres dançam e os homens atuam como músicos ou gerentes dos eventos. Há 150 anos, as dançarinas profissionais do Cairo e do interior eram chamadas de "ghawazee". Hoje em dia, o termo "ghaziya", plural "ghawazee" é usado para descrever as dançarinas egípcias do interior que continuam dançando de maneira tradicional, sem ter acrescentado influências de outras danças ao seu repertório, como fazem as dançarinas dos "night clubs" de cidades maiores. A família ghawazee egípcia mais famosa são "os Maazin".

Em uma de suas últimas entrevistas, Yousef Maazin, pai das irmãs Maazin, disse: "sou um homem de muita sorte por ter sido abençoado com tantas filhas lindas que me deram uma vida bela." (No mundo árabe, as famílias esperam geralmente por filhos homens mais do que por mulheres.)

Mulheres de espírito livre, as irmãs Maazin dançavam com o coração e com muita coragem, contrariando o preconceito local. Apesar de famosas fora do país, acabaram sendo rejeitadas na pela comunidade tradicional. O seu pai tenava desencoraja-las do casamento, deixando-as ficar na presença de homens em casa. Se esforçava para deixa-las livres, pois acreditava que isso as faria não desejar o casamento. Tudo isso, porém, não as poupou de ficarem tristes, pois sua própria gente não as considerava aceitáveis para casamento.

"A apenas desejaria não ser uma ghaziya quando um homem de outra tribo se apaixonasse por mim ou por uma de minhas irmãs. A família dele moveria uma guerra para impedi-lo de se casar com uma 'filha de Maazin!' Como você poderia se casar com uma ghaziya que se apresenta cantando e dançando na frente dos outros? Eles nos chamam de ghaziya! Para eles é um insulto nos chamar assim! Mas para nós isto significa que nós invadimos os corações deles com nossa dança!", disse uma das Maazin.

História da Dança do Ventre - Ghawazee
História da Dança do Ventre - Ghawazee
História da Dança do Ventre -Odaliscas
História da Dança do Ventre - Ghawazee

As Ouled Nail

A dança do ventre, com seus rápidos e complexos movimentos dos quadris no ritmo da música, é uma dança distinta e fascinante, com movimentos oriundos das mulheres da tribo Ouled Nail, da cultura berbere, na atual Argélia, antes de serem islamizadas no século VII. Na infância, a maioria das mulheres Ouled Nail eram treinadas na arte da música e da dança e comumente se estabeleciam em cidades próximas como artistas.

As mulheres Ouled Nail se adornavam com trajes de ouro bordados com cintas de ouro e inúmeras correntes de ouro e pingentes, e elas dançavam um estilo de música conhecido como "Bou Saada", que significa "lugar de felicidade".

Quando adolescentes, as mulheres de Ouled Nail desciam às cidades para dançar e entreter os homens, bem como aquecer suas camas. Elas não eram coagidas a praticar dança e prostituição, porém isso era comum e mais ainda, era parte de uma tradição que funcionava em suas famílias. Quando crianças, as filhas estudavam a arte do erotismo e da dança e iam para as cidades escoltadas por suas mães ou tias para ganhar a vida sozinhas.

Faziam viagens sazonais para casa para visitar suas famílias e, à medida que envelheciam, procuravam garotas mais jovens que haviam sido igualmente treinadas na arte para levar em suas viagens à cidade. Elas retornavam à sua terra natal depois de cerca de quinze anos de trabalho na cidade, durante o qual, elas teriam adquirido riqueza dançando, para se estabelecerem.

As mulheres Ouled Nail, para se casar, compravam uma casa e um jardim e começavam a aceitar pretendentes para constituir uma família e quando ela dava a luz às suas próprias filhas, as treinava na arte da dança do ventre para prepará-las para o trabalho. Uma mulher Ouled Nail clássica pronta para o trabalho usava um vestido em camadas com pulseiras pontiagudas que poderiam ser usadas como armas, e um colar feito com as moedas que ela ganhou.

A dança do ventre não era apenas uma parte de sua cultura, era um meio de subsistência e de fortalecimento para as mulheres Ouled Nail, e acredita-se que elas desfrutavam da liberdade que hoje a maioria das mulheres livres desfrutam; porque na sua cultura seus homens entendiam e aceitavam seus meios de subsistência.

As mulheres Ouled Nail dançavam eroticamente e em alguns shows, nuas. Eles fumavam e se entregavam com o apoio total de suas mães. Eles adotavam as crianças nascidas fora do casamento devido a essa prática e apreciavam ainda mais se fossem meninas.

Elas mantiveram esse aspecto de sua cultura mesmo depois de terem se convertido ao islamismo no século 7 até o século 20, quando mercenários franceses, durante a ocupação francesa, as trataram como subumanas; às vezes matando-as pelas joias e moedas que usavam.

Sua fama se espalhou por toda a Europa depois que os turistas franceses ficaram impressionados com sua excelente dança e desfrutaram de sua companhia no século XIX. A dança mais tarde se espalhou para partes da América do Norte no século XX.

Aisha Ali, especialista em danças do Norte da África, observou e gravou um pequeno grupo de dançarinas do ventre Nail, ainda em Bou Saada, na década de 1960. As fotografias desse grupo e a gravação, intitulada “Música da Ouled Nail” foram imitadas por dançarinas americanas desde a década de 1960 até hoje.

POR SARAH ACKWERH, at 09:00 am, July 02, 2018, HISTORY


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